domingo, 10 de janeiro de 2016

É hora de apostar na biomassa?

Sim, respondem especialistas. Embora explorada basicamente por indústrias, pode ser um ótimo investimento para os produtores rurais


Palha de cana em Angélica (MS)
Palha de cana em Angélica (MS)
Pecuarista há 40 anos e dono de fazendas nos municípios de Bandeirantes, Jaraguari e Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul, Marcelo Gargione encontrou na produção e comercialização de biomassa uma saída rentável para a capitalização e viabilização de suas propriedades. Hoje, cultiva 600 hectares de eucalipto com os quais obtém renda líquida de R$ 1,6 mil/ha/ano. “Muito diferente da média de R$ 300/ha/ano que a pecuária me dá”, revela. Mas, ao contrário da maioria dos silvicultores do estado, seu foco não é oferecer matéria prima para a indústria de celulose, setor responsável por 36,4% das exportações industriais sul-mato-grossenses entre janeiro e abril deste ano, segundo a Fiems – Federação das Indústrias do Mato Grosso do Sul. “Fiz a opção em oferecer biomassa para a produção de energia e não me arrependo”, garante.
Apesar de crescente, esta é uma alternativa de renda que ainda passa à margem da maioria esmagadora dos produtores rurais brasileiros. A falta de água em várias regiões do país em 2014 reduziu a expansão de sistemas de produção de energia a partir de usinas hidrelétricas e acentuou a busca por fontes renováveis de grande disponibilidade. Neste contexto, a biomassa se colocou como uma espécie de bola da vez, fundamentalmente em função da extensa quantidade de matéria prima no campo, principalmente a do setor sucroenergético (bagaço e palha de cana-de-açúcar) e a oriunda da atividade madeireira (toras e resíduos florestais).
O produtor Gargione fez uma detalhada leitura das possibilidades de mercado antes de decidir apostar no setor. Tanto é que não só produz matéria prima como também criou uma empresa de bioenergia florestal para cuidar de todas as etapas de produção de biomassa, incluindo o fornecimento para as indústrias interessadas. “A ReflorestMS planeja e realiza o plantio, conduz a área de floresta, colhe, transporta, compra e vende matéria-prima para as indústrias”, explica, lembrando que a empresa intermedia inclusive a comercialização da produção silvícola de suas fazendas. Em suas propriedades, Gargione entrega a madeira em pé para processamento. O pagamento é calculado com base no fornecimento de metro estéreo (st) de madeira, que se diferencia do metro cúbico (m3) por contar com espaços vazios entre as peças. No m3 as peças se encaixam, sem deixar espaços. Segundo o empresário, os valores de remuneração são idênticos – cerca de R$ 36/st em meados de junho – ao que é pago aos fornecedores para a produção de papel e celulose.
A diferença fundamental está na forma de pagamento. “Os compradores de madeira para biomassa realizam a extração gradualmente, com pequenas máquinas como motosserras, por exemplo. Neste caso, geralmente este pagamento é feito em parcelas mensais iguais durante 24 meses. Já a madeira para celulose é colhida em alta escala e o pagamento quase sempre acontece em três parcelas: uma entrada, outra com 30 e a última em 60 dias“, detalha. A matéria prima intermediada pela ReflorestMS é utilizada para a produção de energia em vários segmentos no Mato Grosso do Sul, como frigoríficos, curtumes, secadores de grãos e usinas de cana. “No caso específico de minhas áreas de cultivo, não me sobram resíduos florestais, pois ocupamos toda a árvore, inclusive sua rebrota, que vai originar uma nova floresta. É diferente da produção voltada para a celulose, que exige o descascamento do eucalipto ainda na área de cultivo, gerando uma grande quantidade de resíduos que pode ser utilizada pelo produtor como oferta de biomassa”, explica.
Opção de renda
A utilização de resíduos do campo para a produção de energia passou a ser um ótimo negócio, embora ainda ainda basicamente restrito às empresas. Diante de eventuais dificuldades de logística, processamento e estrutura, que exigem grandes investimentos para entrar no mercado, uma das alternativas é fazer a aposta através de uma cooperativa. No Paraná, por exemplo, várias iniciativas estão já consolidadas ou em processo de implantação. Criada há pouco mais de um ano, a Copergera – Cooperativa Florestal dos Campos Gerais nasceu focada no mercado de biomassa. Sediada em Imbaú e atuante em 20 municípios da região, encomendou logo de cara um estudo de viabilização para produção de cavaco e pellets de madeira. Mais recentemente, no dia 29 de maio de 2015, fechou acordo com o Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial para 160 horas de consultoria técnica visando a produção de briquetes. São blocos compactos de materiais energéticos que funcionam como uma espécie de lenha ecológica, com baixa emissão de gás carbônico no ambiente.
“Indústrias como a Klabin compram hoje cavacos para geração de energia e madeira de 8 a 18 cm de diâmetro para produção de papel, pagando R$ 70 a tonelada. Hoje, nossos 26 cooperados podem ofertar 4 mil toneladas/mês, sendo mil de pinus e 3 mil de eucalipto. Pretendemos atingir a oferta mensal de 10 mil toneladas”, vislumbra o presidente da cooperativa, Marcos Geraldo Speltz.
A Batavo Cooperativa Agroindustrial, com sede em Carambeí (PR), dona de um faturamento de US$ 606 milhões em 2013, resolveu aproveitar o resíduo para gerar parte da energia consumida em seus processos pós-colheita. A unidade de Ponta Grossa (PR) produz briquetes com as sobras do beneficiamento de grãos da própria cooperativa. Este material é secado, triturado, compactado e posteriormente utilizado como combustível para a queima em fornalhas de secadores de grãos.
Mercado em expansão
As possibilidades de mercado da biomassa vêm atraindo a curiosidade de produtores e investidores. Tanto é que, durante o “Três Lagoas Florestal”, evento realizado anualmente em Três Lagoas (MS), um dia de campo reuniu às 8 horas da manhã do feriado de Corpus Christi (4/6/2015) quase 200 pessoas para acompanhar demonstrações de procedimentos de trituração de resíduos florestais visando sua queima em caldeiras para produção de energia. A cidade, que hoje coloca no mercado 4,3 milhões de toneladas de celulose/ano (com destaque para as gigantes Fibria e Eldorado Brasil), detém mais de um quarto de toda a produção brasileira (de 16,4 milhões de toneladas) e suas indústrias utilizam uma área plantada de quase 800 mil hectares de eucalipto na região.
Em uma área já colhida na fazenda Ituana (arrendada pela Fibria para o cultivo de eucalipto), distante 29 km da cidade de Três Lagoas, produtores, técnicos, acadêmicos e pesquisadores se depararam com uma enorme máquina que engolia e esfarelava os resíduos do pós-colheita deixando o material pronto para ser queimado em caldeiras. Estava em ação um triturador universal, usado para processar vários tipos de resíduo, como galhadas, toras, raízes, palha de cana e até material oriundo de sobras de construções. A potência de 630 HP e a capacidade para processar até 70 toneladas/hora, impressionaram. Mas não menos que seu preço: cerca de US$ 800 mil (R$ 2,46 milhões pela cotação de 22 de junho). O valor limita o acesso do produtor rural e praticamente indica seu público: grandes indústrias de celulose ou empresas intermediadoras no fornecimento de biomassa. “A Fibria, por exemplo, contrata uma empresa prestadora de serviço para processar e levar o material de biomassa para suas caldeiras. Praticamente todas as empresas com reflorestamento já estão dando destinação aos seus resíduos, processando-os ou retirando-os do campo para evitar problemas como incêndios ou instalação de pragas,”, diz o consultor de vendas Elton Busarello, integrante do departamento comercial da Komatsu Forest, empresa especializada em colheita florestal mecanizada.
A unidade da Fibria em Três Lagoas produz toda a energia que consome desde o final da década passada e ainda disponibiliza o excedente para o mercado. De acordo com informações do gerente de produção de celulose da empresa, Alexandre Figueiredo, a Fíbria produz 120 megawatts/hora (MW/h), consome 90 MW/h e entrega o restante à rede de distribuição nacional. Essa energia é gerada a partir da queima de licor preto e biomassa, subprodutos da madeira. De acordo com dados do Fórum Nacional Sucroenergético, o fornecimento de 1 MW durante uma hora seria suficiente para abastecer uma residência padrão médio durante 30 dias.
Revolução em andamento
Na opinião do empresário Márcio Funchal, sócio da Consufor, empresa de consultoria de bioenergia e agronegócio sediada em Curitiba (PR), o mercado de biomassa está em franca expansão e oferece espaço para investidores, empresas especializadas e produtores rurais: “Há uma verdadeira revolução em andamento para trazer mais eficiência na conversão da biomassa em energia, seja ela térmica ou elétrica”, disse ele, ao participar do seminário “Mais Floresta”, em Três Lagoas. Apesar de explorada fundamentalmente pelas indústrias e empresas de intermediação, a biomassa pode ser um ótimo investimento para o agricultor, desde que, segundo Funchal, se tome precauções e se trabalhe com planejamento. “Se este produtor estiver localizado em um polo florestal consolidado, com mercado ativo e funcional, as empresas que processam biomassa irão à propriedade rural para compra do resíduo no campo. Se ele estiver vinculado a um contrato de fomento florestal com uma indústria, o resíduo pode ou não estar incluso nas cláusulas de fornecimento”. O consultor ainda vislumbra a possibilidade de implantação de uma estrutura de tratamento da biomassa dentro da fazenda. “O produtor pode também apostar no processamento em campo, atendendo os consumidores regionais com seu próprio produto”.
Na cadeia da cana as possibilidades do envolvimento do produtor no mercado de biomassa são mais limitadas. De acordo com o presidente da Biosul - Associação dos Produtores de Bioenergia do Mato Grosso do Sul, Roberto Hollanda Filho, a remuneração ao fornecedor é feita avaliando-se o custo da produção, qualidade da matéria prima e maior preço final do produto. “O custo da energia disponível no bagaço não é considerado”, revela. Por outro lado, entende que este fornecedor deve ficar atento à palha que fica disponível após a colheita da cana. “É na palha, que fica na propriedade, onde se encontra pelo menos um terço da energia disponível na cana e já existem casos de alguns produtores que estão sendo remunerados pelo fornecimento deste material como fonte de biomassa”, completa.
Em regiões de mercado já constituído, o produtor pode produzir biomassa na sua fazenda para atender consumidores regionais.
Finte: Painel Florestal e Ariosto Mesquita, matéria publicada originalmente na Revista Agro DBO de julho de 2015 (páginas 36 a 39).

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